quarta-feira, 24 de junho de 2015

EU FALO DE... LINCHAMENTO PÚBLICO


Há algum tempo foi-me oferecido um exemplar de uma antologia e pediram-me que escrevesse um artigo de opinião sobre essa obra.

Comecei a ler o livro e, sem grande surpresa, tendo em conta os primeiros autores, até à página 41 o nível qualitativo foi elevado. Sendo certo que neste género de obras é tremendamente difícil manter uma linha uniforme de qualidade, pela diversidade de autores e respectiva capacidade, confesso que não estava preparado para o que se seguiu. A descida qualitativa revelou-se tão acentuada que decidi colocar de lado a ideia de escrever sobre o livro. Não por recusar-me a escrever uma crítica negativa; isso nunca seria impedimento; mas pelo facto de, apesar do meu constante desagrado com a forma como muitos autores tratam a língua portuguesa, eu ser defensor de que, independente da qualidade (tema sempre subjectivo) ou dom de quem escreve, todos têm o direito a fazê-lo e esse direito jamais deve ser negado, seja a quem for.

Não raras vezes, tenho feito ouvir a minha voz na luta pelo aperfeiçoamento dos autores mas nunca ninguém me ouvirá dizer que este ou aquele deve deixar de escrever; nunca o disse, não o digo e jamais o direi. Eu acredito que é importante e saudável para o crescimento cultural de um povo que haja cada vez mais gente a escrever. Também acredito que quanto mais gente escrever mais probabilidades existirão de se encontrar escrita de qualidade. No entanto, não é menos verdade que, para que a quantidade se transforme em qualidade, tem de existir vontade dos autores em se aperfeiçoar constantemente.

Por esta altura alguns devem estar a perguntar-se porque razão eu comecei por afirmar que não escreveria sobre a antologia quando, no fundo, estou a fazê-lo? A resposta é simples. Algum tempo depois de me entregarem a antologia, aconteceu uma verdadeira tentativa de linchamento público de um autor na rede social Facebook. Foi colocado um texto seu, devidamente identificado com nome do autor e do livro onde esse texto pode ser encontrado, e colocou-se em causa a construção do próprio texto apelidando-o de mau português. Conhecendo a forma de escrever desse autor e fugindo um pouco ao meu hábito de não comentar textos que não gosto, decidi deixar um comentário explicando uma regra da poesia, chamada LICENÇA POÉTICA, que permite a construção frásica que ali era colocada em causa. Expliquei também que naquele texto o grande erro do autor foi colocar em prática essa regra mas de forma deficiente, por omissão e/ou colocação errada de pontuação. Tudo o resto não tinha nada que pudesse ser apontado, não existiam erros ortográficos apenas erros de pontuação. Pois bem, em sequência do meu comentário surgiu a voz dos Orishas a concordar com a existência da dita regra (como se eu precisasse de confirmação espiritual) mas a persistir na tese do português mal empregue rebatendo alguns dos meus argumentos, e ao autor em questão foi sugerido que deixasse de escrever. Como a minha intenção no comentário era apenas explicar a regra, não voltei a contestar aquele ponto de vista errado. Em vez de responder, decidi voltar a pegar na dita antologia e forçar-me a ler até ao fim, na certeza que iria encontrar exemplos práticos da validade das opiniões que eram dadas no tal linchamento público.

Para não ser muito maçador, porque os exemplos são inúmeros, deixo-vos apenas duas ou três passagens da antologia para demonstrar quão coerentes são os linchadores na apreciação dos textos:

Página 141 - "As lágrimas que caiem no meu rosto..." "AS LÁGRIMAS/ são a vós do coração..."

Página 240 - "... todas juntas não faltava-mos."

Página 241 - "Tinha-mos o suficiente..."

Na minha opinião, alguém que deixa passar estes erros na elaboração de uma antologia não tem moral para acusar um autor de empregar mau português, menos ainda quando o referido autor não cometeu nenhum erro ortográfico; simplesmente não soube aplicar uma regra, omitindo e/ou colocando erradamente a pontuação.

Perante tudo isto, há uma questão que eu gostaria de ver respondida. Sabendo eu que o autor em questão não contribuiu com textos seus na dita antologia mas já tem participado em outras publicações da mesma editora, porque razão foi alvo desta tentativa de linchamento? Será que, porque as comadres se zangaram e ele (tal como eu) não tomou partido, acabou por se transformar no alvo mais fácil por ser um paz d'alma que nem se deve ter apercebido do que fizeram com um texto seu (o nome dele foi colocado mas não identificado, como se pode fazer no FB).

Não sou nenhum justiceiro, não tenho procuração de ninguém para ser seu defensor público mas há coisas que não posso deixar passar em claro. E neste género de situações, não me interessa se o autor é meu conhecido ou se a sua escrita tem qualidade ou falta dela. Erros a escrever todos cometemos e, muitas vezes, por mais que passemos os olhos pelo que escrevemos, não detectamos aquela letra trocada, aquela vírgula em falta, aquele erro de concordância. Estes erros, que eu chamo erros de simpatia, acontecem a todos os que escrevem. Mas neste caso concreto não havia nada disso... Pura e simplesmente tentaram fazer um linchamento público de alguém que, tal como os autores das calinadas acima descritas, já deu dinheiro a ganhar à editora. As razões dessa atitude tão baixa só os responsáveis as podem justificar mas que esta história esconde outras histórias, lá isso esconde.

MANU DIXIT


11 comentários:

  1. Pois é, Manu, tenho lá minhas restrições quanto à licença poética, acredito que cada profissional usa as ferramentas que têm e precisa usá-las bem. No caso, os escritores utilizam-se da Língua para expressar suas idéias e sentimentos, caso ela seja mal empregada, com certeza, isso criará, em quem tem a capacidade de discernir, um desagrado imenso. Dizia um grande amigo, professor, que quando pegamos um texto para ler é como se estivéssemos num sonho, em cada erro nós acordamos... também sei da necessidade da licença poética em determinados casos, seja para melhor sonoridade, seja na própria pontuação para levar o leitor para o caminho que se quer... todavia, também percebo que essa 'licença' tem sido usada para justificar erros crasso, e assim como estás descrevendo percebo que em alguns casos, dependendo de quem escreve, o grupo aceita ou não, é simpático ou não a esses erros. Exemplos claros vejo no próprio Facebook, há um grupo de moças, bonitas, que se acham poetisas, escrevem frases a esmo, sem nenhuma qualidade, com erros graves de concordância, de ortografia, mas têm seu séquito, recebem inúmeras curtidas e são pajeadas, muitas vezes por poetas e professores que no seu discurso desdenham aqueles que escrevem mal... e agora? É assim que funciona... Acho fundamental que quem gosta de escrever, quem sente a necessidade de se expressar dessa forma, que escreva muito, que tenha todos os erros que são cabíveis, mas que procure eliminá-los com o tempo, isso é a busca que todo o autor deveria ter em mente. Adorei teu texto e desculpe esse tratado, também ando chateada de ver tanta porcaria nas redes sociais. Abraço gaúcho.

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    1. Mais que a utilização correcta ou não das regras da língua portuguesa, este é nitidamente um caso de incoerência avaliadora por parte de pessoas com responsabilidade editorial. Entre outras questões (que deixei em aberto) existem aqui dois pesos e duas medidas que só não tiveram o êxito pretendido porque nem todos os que andam nas redes sociais pensam pelas cabeças dos demais.
      Por outro lado e ciente que cometo os meus erros e com eles tento aprender, é complicado aceitar que existam pessoas com discursos de perfeição elitista que depois caem em contradição nas acções e avaliações usando critérios dissimulados...
      Não basta parecer sério... também se deve ser.
      Grato pela visita comentada.
      Beijo luso.

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    2. Pois...eu vi, li, e pareceu-me de, extremo, mau gosto a publicação e o título que a precedia...qualquer coisa do género, " Vejam lá, se isto é poesia..."
      Ninguém tem o direito de julgar, desta forma, alguém que oferece a ler, o que escreve...concordo contigo, houve dificuldade em aplicar a pontuação...mas foi humilhante a forma como foi postado, chamar-lhe-ia até, arrogante...e humildade um adjectivo desconhecido...Gostei do título...LINCHAMENTO PÚBLICO!!!

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    3. ... e a pessoa não foi escolhida ao acaso...

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  2. Caríssimo,

    Mais uma vez olho para um texto teu e rio-me! Não porque a situação em si tenha alguma piada, mas porque há coisas que eu me vou recusando a compreender…

    Mais uma vez faço-te um paralelismo com o outro mundo no qual eu convivo há mais tempo, se bem que não são mundos assim tão distantes.

    Já conheci inúmeros músicos portugueses, bem como muitos monstros sagrados estrangeiros.

    Começando pelos estrangeiros, posso dar-te nomes como Paul Gilbert, Frank Gambale, John Petrucci, Mike Portnoy…
    …conheci a maior parte deles aquando de workshops em Portugal. Todos eles mostraram ser o tipo de gajos com quem apetece ir beber uns copos à noite. Apesar de já terem dado algumas voltas ao mundo a tocar, de serem considerados os melhores dos melhores, são acessíveis, gostam de partilhar ideias, influências, mostrar como chegar a melhores resultados…
    …ou seja, estes, que são os melhores dos melhores, falam dos seus ídolos, que na maior parte das vezes tinham sérias limitações técnicas, como os gajos que sabiam o que estavam a fazer e põe-se no lugar de aprendizes. E depois, começam a tocar coisas impossíveis e tentam incentivar-te a seres o melhor que podes ser. Há competição entre eles? Há! Mas há uma competição saudável. Acaba por ser uma competição inspiradora porque trás ao de cima o melhor de cada um e quem beneficia com isso é quem os ouve.

    E depois há os Portugueses. Conheci muitos que são como os acima descritos. Mas a maior parte não tem 1/5 do talento mas têm 5X a arrogância. São o tipo de gajo que vai ver um concerto de uma estrela internacional não para absorver a experiência mas para apontar os erros!

    Sinceramente, creio que esse tipo de atitudes diz mais acerca de quem as toma do que acerca dos visados. Normalmente quem se dá a esse tipo de atitudes sofre de insegurança crónica e tenta defender-se dela atirando pedras a quem nem sequer quer saber…

    Gente estúpida há em todo o lado, infelizmente!
    Estupidez aliada à arrogância parece ser uma coisa muito vulgar no mundo das artes…
    Estupidez aliada à arrogância e somada a uma falta de introspecção…
    …passa todas as marcas do razoável.

    Se calhar é por isso que eu nem gosto de me auto-intitular de escritor, nem gosto quando outros o fazem! Se calhar tenho uma consciência crítica e uma insatisfação crónica no que faço, independentemente do que os outros afirmam ao ler-me ou ouvir-me!

    E acho que é isso que falta na maior parte dos auto-intitulados escritores, e aquilo que não lhes permite evoluir: falta de consciência crítica e falta de insatisfação!
    E, acredita, a insatisfação é a melhor ferramenta de melhoramento pessoal…

    Um fortíssimo abraço

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    1. Com os erros todos podemos aprender... assim o queiramos.
      Apontar os erros de alguém (desde que feito com seriedade) pode ajudar na melhoria de quem os cometeu.
      Apontar os erros a esmo ou tentar encontrar erros onde não existem é pura maldade. Mais ainda quando essa atitude é contraditória com o discurso da crítica construtiva.
      Apontar erros a uns e desculpá-los ou ignorá-los a outros é falta de seriedade.
      Assumindo os meus erros, porque os cometo amiúde, posso e devo apontar os erros alheios como forma de auxiliar o melhoramento do outro, nunca para o rebaixar ou linchar como foi o caso que descrevi no artigo.
      Este assunto leva-nos, mais uma vez, à velha questão do dinheiro... a quem paga tolera-se os erros, a quem não paga aponta-se o dedo ao mínimo deslize.
      Cá estarei para pôr a boca no trombone.
      Grato por mais este testemunho.
      Abraço

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  3. Amigo não vou fazer nenhum comentário ou crítica sobre o assunto apenas digo que todos nós cometemos erros, e se alguém chama atenção na minha forma de pensar de vemos aceitar essa crítica e tentarmos corrigir as coisas.
    Um Abraço
    Santa Cruz

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    1. Chamar a atenção para o erro é uma coisa bem distinta de enxovalhar pelo erro.
      Grato pela visita comentada.
      Abraço.

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  4. Concordo com tudo o que escreveu amigo poeta e o título Linchamento publico é apropriado ... Sabe hoje somos bons amanhã não prestamos para nada sempre assim foi e sempre assim será.... Abraço de quem gosta muito do que escreve.
    Mila Lopes

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