domingo, 16 de julho de 2017

DAMOS VOZ A... MACVILDO PEDRO BONDE


NOITES DO MODASKAVALU (1)

Ao Salésio Massango (Kalinda), Maputo, 29 de Junho de 2017

Bom dia, não sei como esta missiva lhe vai encontrar quando a leres. É que a saúde tem sido um martírio para quem se desprende da cama sem o descanso floreado. Sei que tenho sido ausente e as conversas intermináveis de outrora escasseiam na orla da língua em sede. Estou aqui porque ontem tive a sorte de passear pelas noites do Modaskavalu, ali onde desnudamos a palavra com a sensibilidade que só tu emprestavas quando Cesário Verde lhe calcava a alma.

Pois é meu caro! Poeta sem asa, domador de sonhos ao apitar do comboio. Escrevo-lhe novamente para dizer que a casa continua a mesma e os sonhos parecem ter perdido a cor. No entanto, os textos que tingem as paredes sedentas de vida estão rendilhados à moda do Valeriano. Sinto que já não tenho pachorra para construir sentimentos de apreço. Sorrisos e aplausos continuam a vingar perante textos invertebrados, sem sal, dirias meu amigo, a mesma barbárie que negamos ali na rua Carlos Albers.

Os meus silêncios são mais audazes ao martírio da alma. Estou sentado na poltrona e não me emociono porque os anos do “Arrabenta” foram os mais fugazes. 

Caro poeta, não digo isso por demérito das vozes que se mostram neste lugar, mas por notar que a escola continua sem alunos. Parece que amamos as futilidades. É bom deliciar a multidão com uma mão cheia de nada? Andamos em desregramento. Poderei, em meus lamentos, infringir um golpe inóspito no Coração de quem deixou sair entre os dedos, os valores que a poética nos ensinou por mais de uma década? Neste instante que lhe escrevo seguro o coração pela mão e as lágrimas tingidas de medo. Caro Kalinda, não há vento que apagará os melhores dias da nossa adolescência.   




(1) Espaço localizado no Teatro Avenida onde se declama de poesia, debatem-se ideias entre outras actividades artísticas e culturais.

Breves linhas
M.P.Bonde nasceu a 12 de Janeiro de 1980 em Maputo. Foi membro do projecto (JOAC) e do colectivo Arrabenta Xithokozelo. Em 2017 lançou a sua primeira obra literária “Ensaios Poéticos” pela Cavalo do Mar.

Podem reler o texto que José Manuel Martins Pedro, o nosso correspondente de autores africanos, nos escreveu sobre este autor, neste link

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