segunda-feira, 24 de julho de 2017

EU FALO DE... COISAS QUE DIZEM E PERGUNTAS QUE FAÇO


Sempre que, em conversa entre pessoas ligadas ao universo da escrita, independentemente do envolvimento de cada um, alguém fala sobre as motivações deste/a ou daquele/a, dá-me uma tremenda vontade de rir; umas vezes pela inocência demonstrada, outras pela efervescência acusatória, outras até pela incoerência entre o que se diz e o que se faz.

Quando me dizem que "este editor faz a coisa por dinheiro", surgem-me sempre duas perguntas:

1ª - O propósito principal de um negócio não é fazer dinheiro?
2ª - Se estão preocupados com o dinheiro que os editores fazem, por que razão continuam a pagar aos editores para editar?

Quando me dizem que o valor que pagaram por uma antologia foi demasiado, surgem-me mais duas perguntas:

1ª - Por que as compram?
2ª - Por que continuam a pagar para participar em antologias?

Quando me dizem que, este/a ou aquele/a, é um vendido/a porque entra em antologias de várias editoras, apetece perguntar:

1º - Então, mas eles receberam para participar?
2º - Desde quando os autores têm obrigação de participar apenas nas antologias de uma só editora? 

Quando me dizem que, este/a ou aquele/a, troca de editora como quem troca de camisa, dá vontade de perguntar:

1º - Desde quando um autor assina contratos vitalícios?
2º - A ser verdade que trocam editoras como quem troca de camisa, isso quer dizer que trocam de camisa poucas vezes ao ano?

Quando me dizem que os autores não compram os livros dos outros autores, pergunto sempre:

1º - Mas os autores escrevem para outros autores ou para leitores?
2º - Já compraste algum dos meus livros?

Quando me dizem que o livro, deste/a ou daquele/a poeta, nunca deveria ter sido editado porque escreve mal, dá vontade de perguntar:

1º - Por que compraste o livro?
2º - Se escreve assim tão mal por que o/a chamas de poeta?

Quando me dizem que é preciso ter cuidado com este/a ou aquele/a porque anda muito próximo da concorrência, dá vontade de perguntar:

1º - Não seria mais proveitoso apoiarmo-nos uns aos outros em vez de andarmos em disputas que só prejudicam?
2º - Mas afinal, os autores andam nisto por paixão ou por quererem ser melhores que os restantes?

Eu podia continuar com muitos mais exemplos mas já está suficientemente fastidioso.

A verdade é que estas pessoas nem se apercebem das lacunas e incoerências das suas próprias contestações e continuam a barafustar pelo simples acto de o fazer e porque “toda a gente o faz”, sem pararem um pouco para pensar e analisar convenientemente todas as situações que as incomodam.

Quanto a mim, as minhas opções são claras e públicas e não é por as dizer com frequência e acreditar nelas que vou julgar nem condenar as opções dos outros.

Eu recuso-me pagar, seja em livro individual ou colectivo, mas aceito que outros pensem de forma diferente e, por isso, continuo a dar várias alternativas sempre que me pedem uma opinião sobre em que editora devem publicar. Já me ofereceram dinheiro para direccionar autores para determinadas editoras, sei quem o faz, mas se aceitasse estaria a ser incoerente comigo mesmo e eu prefiro dormir de consciência tranquila. Para além disso, como acredito que cada um deve pensar pela sua própria cabeça, limito-me a apresentar as diversas possibilidades. Também continuarei a divulgar projectos antológicos de modo a dar conhecimento deles, deixando aos autores a tarefa de decidir por si mesmos o interesse, ou falta dele, em participar.

Do mesmo modo, e pelas mesmas razões, não me choca quando um autor decide editar por uma chancela diferente, do seu livro anterior. Muito menos me choca que participem em múltiplas antologias de diferentes editoras porque, diz-me a razão, desse modo alargam a sua esfera de público.

E, o que acabei de defender anteriormente, também se aplica a colaborações em outros projectos. Dentro da minha disponibilidade, tento participar sempre que sou solicitado para integrar projectos relacionados com literatura. E nem me preocupa minimamente se alguma dessas minhas colaborações afecta ou choca outros com quem tenha colaborado anteriormente. Tampouco me interessa se existem conflitos de interesses entre os mentores e/ou promotores de diferentes projectos. Eu não defino as minhas colaborações pelas amizades ou inimizades dos outros.

Eu não digo para fazerem como eu faço. Eu afirmo e reafirmo que cada um deve agir de acordo com as suas convicções e ideais. Posso não concordar mas tenho que aceitar, por questão de coerência. Pode parecer um paradoxo, no entanto, ao contrário do que algumas pessoas já disseram e continuam a fazê-lo, não sou paladino da verdade, bem pelo contrário. Tenho é esta mania de defender a minha mas, ao contrário de outras vozes, isso não implica, da minha parte, falta de respeito pelas verdades dos outros. Tanto mais que debater as coisas só é possível se existir divergência.

Eu vejo o universo da escrita como um só corpo e acredito que todos os projectos são importantes na difusão da nossa língua e não concorrência porque os autores não devem competir mas sim unir esforços para benefício de todos. Depois cabe aos leitores decidir sobre a validade dos trabalhos de cada um dos autores. E menciono os leitores porque esses devem ser sempre o foco principal dos autores. Se não existirem leitores não faz sentido continuarmos a editar o que escrevemos.

Só que existe muito boa gente (digo, boa, no sentido irónico do adjectivo) que ainda não percebeu que ser autor não é vender mais que os outros; não é ser mais bajulado ou bajulador que os demais; não é ser parte de um rebanho nem vitimar-se. Ser autor é contribuir para o fortalecimento da nossa identidade cultural; é apoiar e, havendo possibilidade, colaborar no máximo de iniciativas que elevem e promovam a nossa língua e cultura. Enfim, ser autor é muito mais que olhar o próprio umbigo. Ou será que estou errado?

MANU DIXIT

2 comentários:

Toca a falar disso