segunda-feira, 18 de setembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... PATRÍCIA PORTO

Um Prefácio

Tudo que escrevo é autobiográfico e é autorretrato de uma artista nua,
Nua em carne, pele,  sexo, origem, latência...
A escrita são os meus ossos do ofício, os meus pulmões para os berros,
Minha linguagem secreta com a Arte, meus artifícios e queixumes,
Até porque sempre busco desabitar as coisas que me habitam,
As tralhas da minha casa interna.  Trago isso primeiro do inconsciente,

E trato de entornar tudo até poder tomar o que foi escrito como as consciências do dito, mas nas consciências já sou a outra, a que corrige, corta, aponta a coesão e faz coação com requintes de carrasca... Já não gosto tanto desta e prefiro sempre a primeira, a que se joga no abismo por desequilíbrio, a bamba da corda ou a tonta. 

Penso que não há qualquer segurança para quem escreve.  A escrita é muito mais ruidosa e arriscada que os temas da vaidade.  Eu, particularmente, gosto do defeituoso e quanto mais defeituoso for o trajeto melhor será o meu encontro com o que eu leio do escrito.  O sublime está neste fraturar do tecido, no rude dos pontos, assim como o seu grotesco pode ser o belo do versar. Um grito é um defeito? Um choro, um defeito? As fragilidades do humano? As fraquezas são defeitos. E que sejam, porque nos tornam menos fantasmas do que já foi vivido.  As memórias do imperfeito dão convicção ao movimento.

Eu habito essa casa-escrita, mas sempre de malas prontas para partir para outra habitação, e assim vou construindo novas arquiteturas e me desvencilhando dos casulos, sempre tão confortáveis. Não me ofereço para ser o fantasma dos meus próprios poemas; dos quais me despeço com certa parcimônia, com uma boa dose de constrangimento, a necessária do Advir. A mobilidade é que sempre me chama para o salto seguinte e se a reminiscência me provoca, eu a levo junto para um novo experimento de salto.

Não me preocupo em ser uma pessoa que escreve com reconhecimento em círculos literários, porque os círculos que me fascinam são outros: bacias, mandalas, todas as formas redondas e a circularidade das palavras, essa tarefa de ser mãe das próprias ideias. E parir indiscriminadamente sem permitir que me rotulem em algum ponto periférico-circular entre os que muito falam.

A escrita, se me defino nela, é Maior que o cálculo de viver. Os planos? Os projetos? A escrita é o antes do plano ou do projeto, porque antecede  o pronto da tipografia com seus consertos finais, é antes o porém, o entre, mais conectiva que substantiva a princípio. É o nada que nos liga, como o cordão que nos liga ao primeiro mundo. Depois vem o outro novo mundo e a certidão de nascimento. O substantivo. O verbo. O sujeito. O verbo.

Escrevo para que os outros leiam. Se a Vida nos bastasse, lembrando Fernando Pessoa, por que faríamos Arte? Fazemos Arte porque somos crianças ávidas pelo Amor. E nossa expressão requer a mesma paciência que as crianças exigem para as suas garatujas.  Tenham paciência com a leitura de toda escrita. Todas merecem respeito e afago. Aos que trabalham com margem de lucro, sim, a esses podem pedir explicações.

Escrevo enfim para não morrer de inanição ou não enlouquecer o outro que me vê ainda alguma qualidade. Não herdei nada, talvez nem genes; mas deixarei esses escritos como um legado de alguém que amou fazer parte desse mundo através da escrita.

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