Imagem: jacqueline secor
#erotismofemininoeliteratura
A
querida Luciana Hidalgo fez um convite - sensacional - para que postássemos
textos, poemas, trechos de livros de escritoras que dessem visibilidade ao
erotismo feminino na literatura. E aproveitando a oportunidade, escolhi um
trecho de um dos meus contos: "Barrocas".
...E
lembro que eu e Rose, debruçadas sobre a janela, ficávamos juntas fumando um
baseado. Rose sim sabia onde escondê-lo. Ríamos do cheiro, porque passado pela
revista das guardas, fumávamos outras tantas intimidades. A pele, erva doce,
cabelos pubianos. Fumávamos uma cigarrilha e íamos para o disfarce, a
cigarrilha que eu comprava como criminosa ao invés do pão. A pele e osso como
deboche para as propagandas de alimentação saudável. Brincávamos as duas de trocar
palavras, como "nada, nós fumamos apenas umas cigarrinhas", era como
um tapa nos que nos condenavam por sermos mulheres da cidade baixa, nós ali
brincando de jardins nos ralos da periferia, preservando os reinos vegetal,
mineral e animal - para que as mais fortes crescessem robustas, rosadas. Nossos
corpos de cigarras, nossos pelos pubianos, os cheiros crespos de nossos corpos,
sabor de boca na nuca, o clitóris na boca um botão entumecido para ser chupado,
e na língua o delicado se abrindo e fechando em grandes, pequenos lábios de
nossa linguagem de mistérios marinhos, molhados, molhadas, liquefeitas. Era
tudo tão fundo que gargalhávamos das pequenas transgressões como loucas
sedentas uma da outra. O salgado do abismo nos unia, a solidão das migrantes, a
ousadia das putas, a insensatez dos homens que nos batiam e pagavam cervejas no
fim do expediente. Sonhávamos em ser mulheres barrocas como as da igreja onde
não íamos rezar, porque éramos a escória contagiada por todo tipo de subversão
sem perspectivas de nada.
Ela
arrancou um hibisco e colocou no meu cabelo, suave na brutalidade do corte.
Arrancou um hibisco em pleno dia e o sol ainda iluminava nossas caras! Éramos
barrocas.
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