domingo, 31 de dezembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... ADRIANA MAYRINCK

Todo fim de ano, tudo se repete, tudo se faz igual, aonde quer que se esteja, ou aonde quer que se vá... por um lado o consumismo e excessos, gastronômicos, etílicos ou ilusões... do outro a alegria, a esperança, a confraternização dos mais solidários e fraternos que fazem dessa época um exercício de humanidade, e no meio disso tudo, a violência, a miséria, a dor... e a nós, que não somos tão egoístas e nem tão altruístas,  nos resta, observar o mundo lá fora com a serenidade que nos traz o aconchego da família.

Tempo daquela a correria de fim de ano como se fosse o final do mundo, da calmaria dos que tentam passar alheios a tudo isso, das solidões e afetos que não estão mais por perto, lembranças que trazem saudades, vivências que adiamos, projetos que idealizamos, esperanças que se renovam, silêncios  que preferimos guardar.

E a cada ano, fico mais distante desse momento restritivo de magia, consumismo e encantamento de Natal. Mas por que tudo tem que ser vivido, lembrado, perdoado ou justificado neste período? Pedir desculpas, sorrir, presentear, olhar para o próximo, questionar, se doar, agradecer, estar integralmente na vida, é todo dia.

Esse ano longe do meu país e do que vivi até aqui e ao mesmo tempo tão próxima de tudo que desejei e desejo, percebi, que em todos os lugares, é igual, todos nós somos exatamente iguais, e que estar ou ser feliz, independe de fatores externos ou condições propícias. É a nossa maneira de  viver as experiências que a vida nos apresenta, com suas perdas, dores, encontros, alegrias e vitórias, que dita e conduz ao nosso próximo sorriso, a magia e o encantamento que nos faz sonhar, a poesia que percebemos nos pequenos detalhes, a arte de acreditar e fazer acontecer, a harmonia consigo mesmo e a renovação da esperança, para ter fôlego para seguir adiante, apesar desse tempo nada fácil de ser vivido e sentido.

Prefiro relembrar alguns ensinamentos de um Homem que veio para dizer ao mundo que só poderemos encontrar a verdadeira harmonia se compreendermos que todos são iguais e que a receita simples é “ Ama a teu próximo, como a ti mesmo “ e “ Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem contigo”, é... por mais que tenhamos essa percepção, ainda precisaremos de algum tempo, para exercer essa prática na totalidade, mas como somos todos iguais, aonde quer que estejamos, prefiro acreditar que no próximo ano...

Feliz Ano Novo!

DRIKKA INQUIT


sábado, 30 de dezembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... SÍLVIA SCHMIDT (V)


INGLATERRA&EUA: amigos de além mar, brasileiros, facefriends, mundão - em 2000 atravessei o atlântico - a caminho de uma linda história de amor que se realizou dentro do contexto do que foi possível e transformou-se em um romance- exercício em Literatura bilíngue e metaliterária. Fiz um investimento bastante considerável em relação a este exercício de relacionamento em trocas culturais – a imersão necessária para aquisição de uma segunda língua. Na Faculdade de Letras, não adquiri a proficiência necessária para a compreensão de toda uma história de todo um comportamento mínimo para ler, escrever, falar o idioma. Não posso perder de vista que fui uma afortunada – por toda esta experiência adquirida em minhas viagens – e que não quero perdê-la jamais. O facebook é uma ferramenta internacional, assim passarei a me comunicar de modo a fazer uso – sempre e mais - de minha segunda língua através desta rede social, que seja adicionando amigos nascidos na Inglaterra e ou nos Estados Unidos que seja através de meus poemas, trechos narrativos e ou postagens ligadas ao contexto internacional. Fiz este pequeno álbum de fotografia analógica - momentos de grande alegria e afetos verdadeiros – materializados em Duty Free-2000/14 além de um outro apenas em escaletas para futuro desenvolvimento que dei o nome de Made in Brazil-2002, pode ser sim considerado um desdobramento de Duty Free-2000. Muitos leitores me perguntam a respeito de uma continuidade do primeiro. Sim, há mas precisa ser desenvolvido. 

Lembrando-me aqui que:

"O narcisista não tem nenhum interesse no futuro", argumenta Christopher Lasch, "pois, em parte, ele tem muito pouco interesse no passado." Privado do vasto armazém psicológico de experiências e memórias do passado, ele sofre de um "empobrecimento da psique e também de uma inabilidade de fundamentar [suas] necessidades na experiência de satisfação e contentamento". Com tão pouco a que recorrer, ele se sente vazio e enfrenta o futuro com letargia e depressão.

In The Culture of Narcissism: American Life in an Age of Diminishing Expectations is a 1979 book by the cultural historian Christopher Lasch. Sejam bem -vindos- welcome new friends 


sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... TACIANA VALENÇA (XIII)

AMANHÃ INEXISTENTE

Passei por momentos difíceis há um tempo atrás.

Meu filho, na época com 7 anos, perguntava todos os dias quando era AMANHÃ.

Eu dizia:

- Quando você dormir e acordar, será amanhã, o dia depois de hoje.

Pensei que havia me livrado do problema, mas no dia seguinte ele acordava e perguntava:

- Mãe e agora, é amanhã?

- Não meu amor, é hoje. Amanhã é o dia que vai chegar depois que dormir e acordar (achava que estava explicando muito mal, mas não achei outra maneira).

- Mas ele não chega nunca!

Sinceramente, quis pedir socorro. Não ia chegar nunca mesmo!

Ainda bem que ele desistiu, mas passou alguns dias com essa pergunta (e acho que indignado com minha resposta).

Isso me fez refletir no seguinte:

O amanhã não existe realmente, só temos um dia em que podemos realmente realizar o que queremos: HOJE.

Não tente explicar nem exercer o amanhã, ele não existe, você viu!

Mini-Biografia:
Taciana Valença Administradora (Universidade Federal de Pernambuco), escritora, produtora cultural, editora da Revista Perto de Casa (Recife/PE/Brasil) e Diretora Social da União Brasileira de Escritores.


quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

FALA ÁFRICA... MACVILDO PEDRO BONDE (XVII)

Da felicidade e outros cantares

I

A felicidade é um raio de sol que ilumina a multidão, e a palma da mão, apenas um orifício por onde se filtra a nossa ignorância, para que na claridade, não se veja a nossa insignificância dentro de nós mesmos. Aqui entre os habitantes do verbo, quero medir a velocidade do teu olhar, virado para poente desse sorriso que alimenta a alma, e segreda de soslaio, todos os atributos de um amor que vem.

Toda a maldade que percorre a imensidão das noites, desprende-se solteira sobre esse galho que trazes entre as mãos e o seu odor amacia o dia. Então, sedento das manhãs que cessam boa parte do tempo que durmo, finjo acordar para o infindo, como quem a toda a hora escreve o silêncio da alma.

Não terei o mesmo barco verde com risos nem poderei voltar da viagem a Ítaca sem ter vivido as aventuras hipnotizado pelo perfume dos portos a que atraquei no sonho, caso não resgate em mim a constância destes dedos em punho sobre a escrivaninha escondida entre os dias em que não teço um só verso sublime. A palavra simples e feroz sangra suavemente sobre o pálido papel que procuro nas velhas bibliotecas ambulantes do meu bairro como alguém que perdido no palco da vida não tem outra tarefa senão encenar.

Quero aglutinar em mim todas as experiências do mundo! Quero ao entardecer percorrer as mesmas ruas com a lua à espreita e sem mácula viver intensamente o momento. A felicidade e o raio de Sol serão apenas amuletos desse momento em que digito as palavras mágicas da nossa passagem pelo universo das vogais que calcorreiam o meu estado.


Breve biografia
M.P.Bonde nasceu a 12 de Janeiro de 1980 em Maputo. Foi membro do projecto (JOAC) e do colectivo Arrabenta Xithokozelo. Em 2017 lançou a sua primeira obra literária “Ensaios Poéticos” pela Cavalo do Mar.
Vencedor da 1.ª edição do Prémio Literário Fernando Leite Couto.


quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

PATRÍCIA PORTO FALA DE... O INDIZÍVEL SENTIDO DO AMOR

“Tudo isto realizo no imenso palácio da memória. Aí estão presentes o céu, a terra e o mar com todos os pormenores que neles pude perceber pelos sentidos, exceto os que já esqueci. É lá que me encontro a mim mesmo, e recordo as ações que fiz, o seu tempo, lugar, e até os sentimentos que me dominavam ao praticá-las”

(Santo Agostinho)

Há textos que nos provocam um sentimento tão grave de similitude que tomar distância dele vai exigir alguns dias de esforço. Foi a sensação que tive ao terminar de ler o romance de Rosângela Viera Rocha, “O indizível sentido do amor”.  Lembro de Leonardo Boff quando diz que “cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam”. Uma resenha é feita a partir dos olhos de quem lê, mas meus olhos de memorialista, meus olhos de poeta, os meus olhos de maranhense e ativista política, como poderiam ler o livro de Rosângela Vieira Rocha, distanciados da guerrilha, da resistência, da memória da luta dos camponeses, da luta do meu próprio povo, da memória de testemunho? Por isso não foi uma tarefa sem esforços de leitura e de esforços de mais esquecimentos que lembranças.

Rosângela Vieira Rocha escreve uma narrativa memorialística. Não é um romance de autoficção. Por isso mesmo é preciso entender a diferença entre eles. A narrativa memorialística, diferentemente do romance de autoficção, pretende reinterpretar a memória dos acontecimentos, buscando elementos de escavação, de palimpsesto e investigação de testemunhos e memórias no intuito da reconstrução narrativa de um determinado tempo histórico ou ainda de tempos históricos emparelhados. Há um profundo sentimento investigativo na tarefa de reconstrução dessa memória, pois passa pela subjetividade de quem se debruça sobre a História pelo testemunho aliada à objetividade dos acontecimentos. Mais do que com a verdade, há compromisso com o testemunho. Nos romances de autoficção, o compromisso é com a ficção - que tem elementos da realidade pela escritura, pela artesania, pelo trabalho sígnico num jogo estético de linguagens e imagens híbridas, simbólicas, metafóricas do real. Na escrita memorialística o trabalho é o da fiação de um tempo plenamente constituído, historicamente palpável pela experiência, mesmo que também híbrido na sua reconstituição de significados.  Na ausência, nos vazios e “entres” da escrita memorialística há substâncias também ficcionais não pretendidas. Como diria Pedro Nava, é uma escrita anfíbia.

“O indizível sentido do amor” é um romance que fala de “amor e luto”, de perdas, de luta pelo luto, de um diário de viagem do externo para o interno, de exílios distintos, de reencontros e Encontro, de estar presente e ausente, de encontrar-se entre o Tudo e o Nada, de recompor sua própria história. É um romance memorialístico de uma mulher que diante do infortúnio da morte e da separação do homem amado, José, busca recompor um elo de conexão entre passado e presente, presente e passado. Só nesta primeira leitura já somos apresentados a princípios literários da narrativa memorialística: a busca permanente, o eterno retorno e a descoberta inexorável de um tempo cíclico que é próprio da narrativa das experiências, da narrativa de memórias. A narrativa de Rosângela vai e volta num tempo circular, o que é próprio dos memorialistas, um ir e vir, buscar o corpo de Eurídice, mas para quê? Para confrontar-se com o Nada sem pessimismo, sem notícias de mágoa. Por isso a ilusão de distanciamento, que na verdade trata-se de uma aproximação tão intensa que a própria ideia de apego se desvanece pelo sentimento de consciência ampliada do ser nesse tempo.   

O livro traz tempos e memórias que se conectam à nossa história recente. Ainda neste ano de 2017, estive com William da Silva Lima no seu aniversário de 85 anos. Mesmo depois de um derrame, William conversou comigo, de forma muito clara e lúcida, sobre a importância da literatura na vida dos presos comuns da época da ditadura militar. De como tinha sido importante na vida dele a leitura de Euclides da Cunha e de como o contato com outros presos políticos e os livros tinha feito com que ele compreendesse o Brasil e as desigualdades que já conhecia muito bem da vida na cidade.

José, marido de Rosângela, grande amigo de Alípio de Freitas, esteve preso na Ilha Grande. William também esteve preso na Ilha Grande com Alípio de Freitas. Alípio é um dos elos que reconta a história de José. É o homem pelo qual Rosângela procura desvendar elementos de testemunho das torturas de um tempo político que foi silenciado e se tornou silencioso.

Alípio de Freitas foi padre e revolucionário na minha terra, São Luís, onde de fato travou contato com a miséria humana num tempo em que a luta camponesa se acirrava e tomava vultos de radicalidade. Meus avós conheceram a história de Alípio e da sua paróquia. Nós ouvíamos em casa as histórias de luta por terras e de como a Igreja Católica, com a eleição de João Paulo II, tinha tratado de emudecer e reprimir o movimento progressista e os que estavam ao lado da luta camponesa, os  que seguiam a teologia da libertação. Já na escola de freiras, das irmãs capuchinhas, na década de oitenta, éramos obrigados a ter aulas sobre o novo Papa. O retrato de João Paulo II se espalhava pelos corredores da escola, pois precisavam nos convencer, ainda crianças, que os caminhos de Deus não passavam pela reforma agrária e que a miséria do nosso povo não advinha daí.

Não posso falar do romance “O indizível sentido do amor” sem falar da nossa história brasileira, e até mesmo sem falar da minha história brasileira, pois Rosângela no seu trabalho memorialístico e jornalístico, nos oferta -  em “religare” – esse corpo, essa ossatura que não foi enterrada o suficiente para se tornar invisível, imperceptível ao chamamento da memória. Assim, a autora nos ajuda a desvelar uma parte do que foi apagado com propósitos, escondido pelas tramas políticas que se seguiram à ditadura militar, tramas que desembocam no Golpe de 2016.  Por isso o trabalho de Rosângela Vieira Rocha é, indiscutivelmente, um trabalho necessário para o debate sobre os porões e as armadilhas da ditadura militar, porque precisamos lembrar para não esquecer, lembrar para não repetir. Já que fomos atravessados pelas notícias de outras farsas, entre uniformes e togas.

O Luto de José e o Luto de Rosângela

Nas idas e vindas da memória de Rosângela Vieira Rocha, busco me refugiar no fio de Ariadne para não me perder dentro dos labirintos que a leitura do livro vai compondo com meus fantasmas, pois preciso voltar e visitar José na UTI. Agora também eu, leitora, sou testemunha dessa narrativa. Entre a discrição de José e o delicado diálogo de Rosângela com o luto encontramos uma linguagem estética que há nos melhores textos memorialísticos: a sobreposição de cenas, o jogo espelhar da urdidura narrativa em que uma cena traz a outra, feito caleidoscópio, camadas de imagens e linguagens que se alternam com os efeitos da memória viva, encarnada. Todos os ponteiros cabem num instante. E cada instante é feito de mil ponteiros. Os guardados de José fazem parte de sua luta/luto, e feito sobrevivente e testemunha, não há uma gota sequer para além do que merece ser falado/derramado. Rosângela é a voz que rompe muitos solos de não-ditos e através de sua luta/luto as alternâncias entre Cronos e Kairós vão se tecendo pelas palavras, entre o tempo elástico das reminiscências e o tempo-colheita-lavoura de dizer-se, contar-se para além de seu próprio ciclo temporal, abrindo-se ao círculo maior que é feito das memórias coletivas, memória de todos nós que amamos, vivemos, lutamos, sabemo-nos vivos até o finito, até o corte da última parca. Os dias, as noites dos lutos de José e Rosângela são os dias, noites que narram, magistralmente, o “indizível do amor”.

“Tentei contar a sua história, que não é propriamente uma história, são apenas “flashes” do que penso ter sido a sua vida. (p.186)   

Proust está feliz. Pois encontramos aqui um romance em outra língua. 

Por Patricia Porto

Rosângela Vieira Rocha nasceu em Inhapim, MG. Tem onze livros publicados, quatro para adultos e sete infanto juvenis. Recebeu vários prêmios literários, entre os quais se destacam o Prêmio Nacional de Literatura Editora UFMG-1988, com o romance Véspera de lua, e a Bolsa Brasília de Produção Literária 2001, com a novela Rio das pedras. Participou de várias coletâneas de contos, entre as quais Mais trinta mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira. Além de escritora, é jornalista, mestre em Comunicação Social, bacharel em Direito e professora aposentada da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília - UnB. É colunista de duas revistas culturais e literárias digitais. Ministra oficinas de textos e de literatura, além de palestras.

Título:"O indizível sentido do amor"
Editora:Patuá
Ano:2017

Podem adquirir neste link

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... JOÃO AYRES (XV)


Tragédia número 8
Ele o tal amante que caminha na direção do terminal de ônibus vencido na palavra ou no substantivo cansaço. Ele que sentiu em pretérito perfeito acoplado ao gerúndio, pois que ainda está sentido a dor daquela faca em sua barriga, a tal  dor irritantemente constante.
Ele a pensar na canalhice daquela mulher que está prestes a se casar. Ele que pensa em ligar para esta tal mulher e dizer o que tem que ser dito. Ele que pensa em fazer o que não deve ser feito.
Ele que muda de ideia e resolve parar na tal lanchonete e beber o tal suco de maracujá com o intuito de acalmar os nervos.
Ele a refletir sobre a palavra itinerário.
Ele que sabe muito bem que a palavra itinerário rima com numerário e coisas do tipo.
Ele que sabe que está do verbo estar com os dias contados. Ele que sabe que este seu câncer é maligno e que começa a se espraiar pelo seu corpo. Ele tomado agora pela palavra metástase.
Ele e o tal suco frente a frente naquela mesa, naquela hora, naquele determinado lugar.
Ele agora a assumir o papel do canalha que não respeita ninguém. Ele com a sensação agradavelmente desagradável de quem comeu a mulher dos outros.
Ele que sabe muito bem que se olhar para trás terá que se ver com a palavra itinerário que rima com balneário e numerário.
Ele que conta nos dedos as mulheres casadas que comeu no verbo comer. Ele em quem come, come alguma coisa por algum motivo e em algum lugar certamente.
Ele que sente mal devido à acidez do suco de maracujá. Ele com a visão turva dentro da palavra diabético.
Ele que se levanta e cai na calçada em frente ao terminal de ônibus.
Ele agora sem lugar a recobrar o substantivo consciência num leito de hospital público.
Ele a se recuperar no substantivo hospital. Alguém que entra no tal quarto e pergunta se ele precisa de alguma coisa. Ele que não sabe que este alguém é o homem que espetou o facão em sua barriga. Ele agora aterrorizado no ventre do verbo estrangular.
Ele que imagina ou pressente que será estrangulado. O homem que está prestes a dizer ou a fazer alguma coisa. O homem que apenas diz que ele vai pagazr pelo que fez. O homem que diz que sua reza é forte. O homem que vai embora e que diz que mesmo que ele precisasse de alguma coisa ele não lhe daria. Ele que diz que o Messias errou ao oferecer a outra face.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... PATRÍCIA PORTO (XXII)

Quando sonham os donos dos porcos
Há um disposito na manga.
Ele resgata pessoas do cume
onde internautas sobem em peregrinação para tirar o self do ano.
Há um limite de dor estampado em camisetas coletivas. É o seu.
Senhoras servem chá de caridade aos diferentes. Os diferentes não bebem o chá.
Noite sem o menino Jesus. Morreu de bala perdida sem magos ou ressentimento.
Papai Noel é o irmão gêmeo do bicho papão, mas só come menininhas.
A coca vende energia em cola.
A terra é plana, chata e vesga.
Cassandra está dormindo na fila do despejo. Não traz seu tempo de volta.
Meus olhos estão sujos de lágrimas.
Pessoas perfeitas me dão fobia.
Mas tenho meu dispositivo na manga.
Dezembro é um edifício de areia
que precisa ser implodido na base.
Em todo peito uma bala escorre.
O silêncio vale todo ouro do mundo.
Estamos morrendo por antecipação porque morremos de medo
e há tristeza demais pra carregar nos bolsos rasos das calças.
Amém. Vou dormir contando carneirinhos pro abate.



domingo, 24 de dezembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... LULA COUTO

A sociedade de consumidores do século XXI trouxe um novo elemento para a relação do sujeito com o objeto, na medida em que a “frustação do objeto de consumo é um instrumento indispensável na lógica do mercado. Se o capitalismo conseguiu se perpetuar até agora, foi porque seu modelo econômico conseguiu captar em proveito próprio os mecanismos da subjetividade(...)” (Dessal, 2017. Pag. 51). Dessal nos faz lembrar de uma colocação do nosso genial Érico Veríssimo, acerca da futilidade da sociedade contemporânea. Veríssimo afirmou que “o objetivo do consumidor não é possuir coisas, mas consumir cada vez mais e mais a fim de que com isso compense o seu vazio interior, a sua passividade, a sua solidão, o seu tédio e a sua ansiedade. ” (Veríssimo, 2016. https://www.diarioliberdade.org/brasil/consumo-e-meio-natural/60453-consumir-o-consumismo-que-nos-consome.html)
      
Termino esse ensaio pedindo emprestado a atualíssima poesia de Fernando Pessoa, pois, assim como Agostinho de Hipona, Pessoa deixou a responsabilidade do sentido da vida para o criador:

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.

(Pessoa, F. 1993)

ENSAIO  Aspectos da Subjetivação no Século XXI: sem o passado e o futuro, para onde caminha o sujeito?
Acompanhe o texto na íntegra no blogue PALAVRAS CRUZADAS neste link 

Biografia:
Lula Couto , historiador e professor há 30 anos. Integra a equipe de professores do Projeto Educação da Rede Globo Nordeste desde o ano de 2003. Palestrante, criador e coordenador do Projeto Palavras Cruzadas. Espaço para o encontro entre profissionais de diversas áreas do saber, visando a organização de debates públicos. cocririador do Espaço MultiVerCidades, encubadora de projetos para o debate público. Professor palestrante em capacitações educacionais diversas.SÓCIO DO CPC, Cíclo Psicanalítico de Pernambuco.



sábado, 23 de dezembro de 2017

FALA ÁFRICA - MACVILDO PEDRO BONDE (XVI)

Discurso a propósito do lançamento da Descrição das Sombras
ODE AO TRABALHO
Quero agradecer em primeiro lugar a Fundação Fernando Leite Couto (FFLC) por ter decido, em boa hora, criar um prémio literário em parceira com a Trassus mobiliário. Agradeço também a minha família pelo suporte, ao Djive pela capa do livro, ao Andes por aceitar esse desafio, aos meus amigos e aos escritores que deram parte de si para dar prestígio a esta primeira edição.
Quando nos chega este momento, em que somos obrigados a destapar o véu, ficamos indefesos sem saber onde esconder a ansiedade. Venho a esta casa falar da poesia e do seu valor para mim. Assim, regresso à carta, com mais de uma década, que o meu amigo Adolfo Sapala, vencedor do prémio TDM de 2006 na categoria de poesia, escreveu sobre a nossa visão poética.
“O caos, meu caro, o caos é tudo. Passou a hora da lógica e do sonho. Chegamos finalmente à hora do tédio desregrado. […] Continuemos, pois, a acender o facho da nossa poesia. A nossa literatura precisa do nosso aguilhão. Se nós adormecermos, quem irá sacudir as almas deste tempo? É a nossa Hora. Aquele que entre nós não fizer a sua parte talvez nunca se possa perdoar a si próprio nos tempos futuros.”
Meus confrades, este prémio que me foi concedido legitima um trabalho desenvolvido pelo colectivo Arrabenta Xithokozelo. O mesmo reflecte um percurso de angústias, sofrimento e sonhos, sendo o Modaskavalu o leitmotiv para seguir uma ideia, ainda que de forma inconsciente, no início, iluminou a nossa presença.
A actividade da escrita implica paciência, domínio da linguagem, ritmo, musicalidade e, sobretudo, humildade para ouvir e compreender as dinâmicas da vida. É um acto solitário, que exige corpo e alma. Estou aqui porque acreditei naquela odisseia. Tive paciência, soube esperar enquanto os meus dedos erectos na escrivaninha, horas a fio desnudavam o poema no céu nocturno das acácias rubras.
Talvez hoje tenha mais sentido ter meus livros nas prateleiras. Creio ter um melhor entendimento do processo criativo. Mais do que escrever, é ter noção do que escrevo e sobreviver ao questionamento da voz interna nas horas silenciosas.
Como disse Rimbaud “só com uma ardente paciência conquistaremos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os homens.” Para mim, a poesia deve ser o lugar onde encontramos a paz. Viver poeticamente é ter o olhar aberto para os pequenos gestos, imagens e sabores. O meu amigo Djive tem dito “nada acontece por acaso”. Eu sou fruto de muitos acasos. Tenho de admitir que foi duro ver novos livros e autores nas prateleiras e continuar a viver o anonimato: a viver sempre um sonho adiado.
Entretanto, é preciso vincar que vai uma distância da finalização do trabalho à sua publicação. Ou seja, a escrita e a publicação não são sinónimos. Devo salientar que somos um país com uma tradição poética invejável, que nos possibilita ter o chão com o qual tecemos os nossos versos. Do lirismo ao hermetismo, a poesia moçambicana tem o seu lugar de eleição.
Daí eu acreditar na poesia como redentora do espírito humano. Para Höderlin “a poesia é portadora da esperança”. Foi por essa esperança que Craveirinha apresentou-se como port-parole de uma nação que ainda não existe, para mostrar o seu posicionamento em relação a uma determinada realidade. Eu acredito que a poesia continua a representar a esperança numa sociedade marcada por inúmeros eventos trágicos: a incerteza, o medo, a solidão e a inversão de valores.
No dizer de Juan Ramón Jiménez “é a qualidade da eternidade que um poema poderá deixar em quem o lê sem a ideia de tempo”. É essa qualidade de eternidade que procuro deixar na minha poesia, porque a poesia tem o papel de construir um outro imaginário, a produção de uma visão sobre o mundo ou a reconfiguração de imagens.


sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

ADRIANA APRESENTA... ANA COELHO

Ana Coelho, é uma daquelas pessoas que carrega a poesia no olhar, na alma e em suas ações. Ainda do outro lado do oceano, admirava aquela alegria, entusiasmo e generosidade em partilhar sentimentos e palavras. As segundas-feiras eu tinha aquele encontro marcado, em seu programa LIVRO ABERTO  www.radioalenquer.pt  para sorver poesia e me sentir mais próxima das terras lusas. O tempo passou rápido e agora, bem mais próxima da autora e conhecendo  todo o seu trabalho e envolvimento com a literatura, incentivo aos jovens, e tudo o que faz em Alenquer para fomentar a arte e a cultura, tornou-se ainda mais admirada e querida e agradeço pelo carinho ao aceitar o convite, e poder partilhar sua obra e divulgá-la na Assessoria Literária da In-Finita.

Ana Coelho nasceu a 20-11-1969, é casada e tem 2 filhos. É natural de Angola, vive em Alenquer desde os 5 anos, terra que sente como sua terra natal.

Desde cedo que a literatura é mais que uma paixão, em complemento do eu que a preenche.

Em 2008 começou por mostrar os seus trabalhos em sites e blogues.

Livros editados:
2010 - Nuances de um Silêncio a Dois (poesia) em parceria com José António Antunes ( marido), com a chancela da Edita-me.
2011 - O Tacto das Palavras (poesia) com a chancela da Edita-me.
2014 - Metamorfose ao Luar & Esboços da Consciência, 2 Romances num livro com a chancela da UniVersus.
2015 - Sem-abrigo, Escolha ou Destino? Romance com a chancela da Edita-me
2017 - As folhas após o vendaval ( poesia) da coleção Status Quo Edições Vieira da Silva
Membro da Academia Virtual de Poetas de Língua Portuguesa – secção de Portugal, com assento na cadeira Natália Correia
Tem participações em várias Antologias.
Trabalha voluntariamente em prol da literatura, algo que é feito com Alma e Coração. Fundadora do grupo AlenCriativos com outra amiga escritora Alenquerense, desenvolvem várias iniciativas como; concursos, tertúlias e antologias para divulgação geral da literatura.
Sente especial motivação em revelar novos autores. Apresenta na Rádio Voz de Alenquer o programa “Livro Aberto” todo o programa de sua autoria.
Como sociedade civil sente dentro de si a responsabilidade em dar aos outros, colaborando em associações com trabalho voluntário, porque sentir outros sorrisos é melhor que sorrir sozinha.


Podem acompanhar a autora neste link

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... JOÃO AYRES (XIV)

Tragédia número 7

Ele então não deixou que o tal indivíduo adentrasse aquele pátio no qual o tal churrasco estava sendo realizado em gerúndio. Ele que sabe muito bem que o substantivo gerúndio deriva do latim gerundium que diz de uma ação que está em andamento ou que ainda não terminou.Ele que jamais deixaria que o tal amante adentrasse aquele pátio no qual o tal churasco estava sendo realizado em gerúndio. Ele com a faca de churrasco à mão, ele a imprensar o tal indivíduo contra o poste e a insistir para que ele conte tudo sobre a tal esposa adúltera.
Ele que diz para o referido, o tal marido tal, que ela disse que ele não dá no coro, vale dizer, que é sexualmente competente, mas que ela diz que precisa de muito mais, precisa de sexo ardente, com fantasias mirabolantes.
O tal marido tal que quer saber acerca da duração daquele caso. O tal amante que diz que não vai mais responder a nenhuma pergunta e vai embora. O tal amante tal que diz que não vai mais inportuná-lo com nada, pois não sabia que ele estava prestes a se casar.
O tal amante tal que diz que ela não sabia se queria casar ou não. O tal amante tal que reclama agora em voz baixa e diz em gerúndio que a tal faca está machuncando a sua barriga.
Ele que sussura no ouvido direito do tal amante a origem da palavra barriga. Ele que diz que a palavra barriga se origina do latim barrica ainda de origem obscura. Ele que diz ainda que barriga se origina do latim pantex que significa ventre e também intestinos. Ele que diz que barriga aponta igualmente para saco, bolsa de couro ou fole em Belg no inglês arcaico. Ele que ainda diz que barriga deriva do Quimbundo Mbunda significando nádega ou quadris.
Ele sussurando coisas como estas no ouvido do tal amante que fecha os olhos e e caminha em sua mente atormentada carregando em suas mãos os intestinos, as bolsas de couro e as nádegas num misto de sangue e de dor.

INTENÇÃO DO MARIDO DA ADÚLTERA.
TER UM DIA TRANQUILO NUM CHURRASCO EM FAMÍLIA.
FRACASSO:
TEVE UM DIA TERRÍVEL EVITANDO QUE O AMANTE ADENTRASSE AQUELE CHURRASCO.


quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

PATRÍCIA PORTO FALA DE ... ALÊ MOTTA



“Ouvi todas as coisas no céu e na terra. Ouvi muitas coisas no inferno. 
Como então posso estar louco?” […]
Edgar Allan Poe  


Ainda na contemporaneidade, Edgard Allan Poe, Piglia, Borges, Cortazar... são alguns nomes que influenciaram o que podemos entender como crítica do conto. Guardando cada qual sua peculiaridade teórica, convergiam na ideia do poder da síntese associado à qualidade literária. No mais, a teoria do conto é um caldo repleto de considerações teóricas completamente opostas e até díspares. Uma das significativas definições de conto foi defendida por Cortazar e diz perto ao apelo à síntese dessa narrativa:

Mas se não tivermos uma ideia viva do que é o conto, teremos perdido tempo, porque um conto, em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa batalha é o próprio conto, uma síntese viva ao mesmo que uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um cristal, uma fugacidade numa permanência.


Ora, para escrever menos seria preciso escrever mais. Pois cortar na carne, encontrar soluções complexas e intensidade como enfatizava Poe, ou trabalhar com a “unidade de efeito”, o caráter de sugestão, não guiar o leitor a um desfecho único, todos esses são elementos imprescindíveis à escrita do conto.

Estreitando esse universo de “fugacidade na permanência”, chegamos aos contos curtos, narrativas breves, inquietantes, argutas e com alto domínio de síntese,  podendo até mesmo não chegar ao final de uma página. Um trabalho delicado de artificie das palavras - aquele que mantém a lâmina de corte sempre afiada. E esta qualidade peculiar da lâmina, assim como o uso de um dinamismo narrativo tão apropriado ao nosso atual contexto – paradoxal e caótico nas relações - são princípios instigantes que poderemos encontrar no livro de contos “Interrompidos”, de Alê Motta, lançado, neste ano de 2017, pela Editora Reformatório.

Na sua narrativa, a autora traz elementos essenciais ao conto, do qual se ocupa a teoria literária mais ampla, e também ao microconto, novo gênero que exige a dinâmica do próprio movimento da narrativa como pré-texto, uma câmera em suspenso constante, pendular, nervosa que segue de muito perto os personagens. Nos textos curtos da autora, há o conciso e o corte, a intensidade e a sugestão, o efeito de unidade e a permanência. A autora maneja com maestria seus instrumentos cirúrgicos, numa precisão necessária. São contos que mesclam o prosaico com o urbano, histórias urgentes e agudas sobre situações cotidianas e familiares.

Alê Motta imprime impacto, força, constrangimento, humor e até mesmo boa dose de sadismo como mecanismos da narrativa. As cenas, incidentes, tragédias vão se sucedendo numa tensão crescente.  Lido de uma sentada, o livro lembra por vezes um afogamento – cada conto é uma submersão, cada intervalo entre os contos, uma subida para respirar. Há um sentimento de agonia, de luta, de necessidade e mergulho. E uma obra que consegue causar tais sentimentos é uma obra a ser lida e merecidamente notada.

Podem adquirir neste link


terça-feira, 19 de dezembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... BÁRBARA LIA (VI)

lindo ano que termina enleado em grãos de estrelas

2017 foi o ano de "As filhas de Manuela". Um ano enleado em delicadeza pleno de encontros poéticos e trocas e muita alegria.

O romance foi lançado em três cidades: na Feira do Poeta em Curitiba, na Patuscada em Sampa e na Casa da Cultura da cidade de Peabiru (cidade onde vivi a infância).

Neste ano (sabático) em que me dediquei apenas aos meus escritos, muitas coisas suaves e belas.

- um e-book lindo no projeto da Revista Gueto - "uma brasa acesa de amor e morte".

- Uma homenagem no recital - CuTucando a inspiração, capitaneado pelo poeta Geraldo Magela, no Teatro TUC - Curitiba.

- Um texto para Paul Klee na Revista Mallarmargens.

- Minha Poesia por duas vezes na Revista InComunidade

- Um encontro com alunos que conheceram minha obra e me chamaram até lá para um encontro, entrevista, leitura de poemas, uma manhã de chuva linda e totalmente mágica, lá no colégio Abraham Lincoln em Colombo.

- Uma participação em um evento poético - Zoona II - Américas Transitivas.

- Um passo para edição de um novo romance (não o convidei ao meu corpo), que passou para a fase final do Concurso de Criação Literária Kazuá.

- Buffet de Poesia, projeto do poeta Carlos Barros, uma nova edição do primeiro projeto de poesia que integrei em 1997,

E outros momentos que esqueço, eu sempre esqueço algo. 

No final a vida parece calma, como se estivesse estancada, mas enumerando assim:
foi um ano bem agitado.


assessoria literária In-Finita